Sexta-feira, 07.12.12

Acabei de ver o Filme, sim Filme com letra maiúscula, porque é para mim um filme obrigatório.

 

"MILK" com Sean Penn... Fantástico. Ganhou Oscar de Melhor Actor em 2008. É a história de Harvey Milk e a sua luta contra o preconceito enquanto ativista gay, que lutou pelos direitos dos homosexuais e foi o primeiro representante eleito que era gay assumido.

 

Sean Penn é, na minha opinião, um dos melhores actores que existem, bem como produtor e director. Em 2002 vi "I am Sam", e que ele desempenhava o papel de um pai, com deficiência mental, que quer manter a custódia da sua filha.

 

Em 2004 nasceu a minha filha, Raquel, com trissomia 21, e revi este filme... há uma cena em que a filha, Dakota Fanning lê uma palavra e sabendo que o pai não sabe o significado da palavra, que não a consegue ler, não a quer dizer em voz alta porque não quer saber coisas que o pai não sabe. Essa cena é, para mim, a mais importante do filme.  Fez-me pensar que idade mental a minha filha enquanto adulta poderá alcançar. Haverá muitos conceitos que ela não poderá compreender e raciocinios básicos e imediatos para os "normais com 46 cromossomas", que ela nunca vai entender.

 

Hoje levei as crianças à escola e claro também tive de levar o Joãozinho, mesmo com a infecção nos bronquios porque não tenho ninguém com quem o deixar. A Raquel disparou para o pavilhão e só o Pipo se despediu do João... Pois ele fez uma birra tremenda porque não se tinha despedido da irmã e lá voltei à escola, entrei no bloco e procurei a Raquel. Estava a brincar com 3 colegas da turma e elas corriam à volta dela e ela também e começou a bater-me o coração muito depressa.

 

Tentei perceber o que se passava, tive medo que as outras miúdas estivessem a gozar com ela e ela não perceber... é um medo tão grande que tenho que ela perceba que não é igual às colegas e não saiba lidar com isso. O Pipo já sabe que ela é diferente mas ainda não sabe como é a diferença dela. Já tentei explicar-lhe que ela é parecida com um menino que estava na sala de jardim de infância dele, o ano passado. Mas o Pipo disse-me que não era verdade, porque a Raquel não bate, fala com ele, brinca, pinta, corre e não usa fraldas!!! É que o menino só o ano passado  deixou de usar fraldas e a Raquel não usa fralda desde os 2 anos (e foi mais rápida que o Filipe e o João).

 

Tenho alguns livros sobre a diferença que vou lendo às crianças. O ano passado levei um livro sobre a família do Todd Parr à sala da minha filha:

 


Fala de todo o tipo de famílias, monoparentais, alargadas, reconstruídas, por adopção, com 2 mães, com 2 pais. E por incrível qe pareça o mais dificil de explicar não foi as famílias com pais gays. Uma menina gosta de outra menina e um menino gosta de outro menino não levantou grandes questões, nem as de adopção, em que os meninos nascem no coração dos pais em vez da barriga.


Difícil foi explicar a imagem de um cão, um gato e outro animal que não me lembro qual era serem da mesma família para explicar o conceito da alimentação. Por fim expliquei assim: O Joãozinho não pode beber leite nem iogurtes de vaca, só pode comer de soja, o pai não come peixe, o Pipo gosta mais de legumes e acompanhamentos que carne e peixe, eu não como carne (ou quase nunca) e a Raquel come de tudo!


Este livro foi escolhido pelo Pipo, quando tinha 2 anos, ficou apaixonado e não saía do Feira Nova sem ele!!! Houve alturas em que dormia com o livro debaixo da almofada.


E a que propósito escrevi este título no post? Porque sempre me interessei pelos outsiders, aquelas pessoas que vivem à margem do normal, que são diferentes e exercem sobre mim um fascinio que eu não sei explicar. Talvez porque eu também não seja normal, não consigo vive dentro dos moldes e nunca me sinta confortável no meio burguês (embora hoje, licenciada, casada com um engenheiro, com 3 filhos, prestes a ir buscar uma station wagon, vivenda com 2.000 metros quadrados de terreno à volta e poder trocar a minha carreira para ser mãe em full time seja o mais próximo do conceito de burguês que conheço).


Sou fascinada pelo diferente, pelo que está fora de lugar e tanto tenho amigos pipis, licenciados, empreendedores, ricos, trabalhadores de fábrica, gays assumidos ou no armário, multi-culturais e raciais como tenho uma amiga que vive uma vida dupla, desempenhando 2 papeis, o de mãe e esposa dedicada e o de prostituta.  Não me choca nem me perturba e houve uma vez em que uma pessoa da minha família me apontou o facto da minha mãe sair muito com uma amiga poder significar que ia jogar para a outra equipa... e eu responder que desde que ela fosse feliz eu também era.


Um dia também terei de explicar aos meus filhos a minha dependência da comida para que eles percebam porque a minha alimentação é diferente da deles. O Pipo também já percebeu isso... é tão perspicaz o puto! Mas é incrível que não se lembre que eu era gorda... ele diz que eu sempre fui assim magrinha (é o que o meu marido está sempre a dizer! Abraça-me e diz que estou tão magrinha que os braços já sobram para me abraçar...).


Eu sou um outsider mas há dias que finjo ser normal como todo o resto...


bye,

Sofia




 

publicado por 80nuncamais às 00:06 | link do post | comentar | favorito
Quarta-feira, 12.10.11

Boa noite,

 

às vezes os comentários fazem-nos pensar, dão-nos força e outras vezes deixam-nos de rastos...

 

Hoje aconteceu-me ficar de rastos.. Cheguei bem disposta a casa e confesso que fiquei estarrecida com um comentário. Acontece! A pessoa não fez por mal, quis mostrar-me como com força de vontade e exercício conseguiu atingir o peso ideal para a sua altura. Não vejo maldade no comentário, não sinto que essa pessoa me está atacar. Mas o comentário coloca questões difíceis de ignorar.

 

Antes de mais quero explicar uma coisa. Comer compulsivamente é uma doença! É a doença mais comum do foro das desordens alimentares. A bulimia toda a gente conhece e a anorexia também... consegue-se esconder até chegar a um ponto em que a saúde se começa a deterior de tal forma que não se pode negar mais. E vamos lá ver... custa mais ver uma pessoa com 35 kg que outra com 120 kg. Visualmente tem um impacto maior os ossos a saírem, a falta de cabelo, os dentes podres, as gengivas descarnadas que o pneu... Porque a diferença está fundamentalmente aí. Um doente com bulimia e anorexia esconde o que faz e passa até certo ponto despercebido e uma pessoa que sofre de compulsão alimentar é forçosamente gorda... (mas... nem todos os gordos sofrem de compulsão alimentar...)

 

A diferença de comer ás vezes um bocadinho de mais e comer compulsivamente é abismal. As pessoas que comem compulsivamente têm um comportamento típico de um dependente. Pensam em comida, planeiam comprar comida, escondê-la, escolhem a altura certa, o local para a comer e depois escondem todos os indícios.

 

E mesmo quando falo no blog que comi compulsivamente eu nem chego a dizer realmente tudo aquilo que comi... Quando digo que comi rebuçados, bolo, gomas, gelado, pão com manteiga falo muito genericamente mas aposto que quem tem o mesmo problema que eu sabe bem o que isso significa.

 

Isso significa que fui a 1, a 2 ou mesmo a 3 supermercados e no meio de todas as compras que fiz (que servem somente para disfarçar aquilo que eu queria mesmo comprar) comprei horrores de comida de "merda". Na minha última viagem (na semana passada) ao supermercado com o intuito de me encher/encharcar/enfardar de comida, comprei:

 

1 embalagem de rebuçados, 1 bolo de 450 gr, 1 gelado de 1 kg, 1 embalagem de 12 pasteis de feijão, 3 ou mais chocolates, pão caseiro, 1 embalagem de manteiga milhafre, 1 embalagem de torresmos ás fatias e 1 pizza de 4 queijos. Fui para casa, arrumei as outras compras e distribui essa comida numa mesa de centro, na sala. Sentei-me no sofá e liguei a tv. Durante 2 horas comi tudo o que estava ali... e o pouco que sobrou, mesmo o resto da embalagem de manteiga, 1/3 do bolo, 1/4 do gelado  foi para o caixote do lixo... A única coisa que guardei foi o pão... para o pequeno almoço do meu marido.

 

Quem percebe do que estou a falar também já percebeu que aquilo que comi rondou as 7 000 calorias. 

 

7 000 calorias? simmmm

 

Comer compulsivamente é isso. Não é comer 1 bolo quando se sabe que não se pode... ceder a uma tentação é um bolo. A dependência é não conseguir parar. é chorar porque nos dói o corpo enquanto comemos e a dor que sentimos interiormente ser superior a isso e não conseguir deixar de sofrer por mais que comemos e comer e sentir dor física e não parar.

 

E dói, dói, dói e dói... e por vezes já choro tanto, e a dor não para, que a mim mesma me dou chapadas na cara, até a sentir dormente! E aí lembro-me do meu pai. Ele batia-me assim. E é um choque e esse choque é que muitas vezes me faz parar de comer.

 

A tua intenção não era magoar-me. Não senti isso no teu comentário. O teu comentário fez-me lembrar algumas pessoas entre as muito poucas pessoas a quem tive a coragem de falar sobre isto.

 

Eu sempre fui gorda, a minha mãe pôs-me a dieta desde os 5 anos. Comia peixe ou carne, cozida ou grelhada, temperada com limão e pouco sal acompanhada de alface não temperada... sopa, sem ou quase nenhuma batata. A massa e o arroz estavam-me quase vedados.

 

Dos 10 aos 12 anos andei no ciclo ao pé da casa da minha avó e ia almoçar ás quartas feiras á casa dela. O almoço era sempre sopa de cotovelos a desfazerem-se com um pouco de carne de vaca cozida e ervilhas. Simplesmente intragável! A única razão porque lá ia era que a minha irmã (que foi criada pelos meus avós) ás vezes deixava-me fazer lá uma sandes com TULICREME para eu levar para o lanche.

 

Passei lá alguns fins de semana e aí comi pela primeira vez leite com chocolate e pão com manteiga de vaca... na minha casa só havia Planta...

 

Tive muito falta de amor e senti muita revolta. Encontrei na comida um escape ainda que momentâneo. E por isso tornei-me perita em arranjar e esconder comida.

 

Ao longo destes 38 anos já me aconteceu muita coisa... muita coisa má. É fácil de falar da violência física por parte do meu pai, dos abusos verbais ao longo da minha infância, adolescência, do nascimento da minha filha com Trissomia 21. Isso foram todos acontecimentos chave e traumáticos. Mas muitas outras coisas ficam por dizer... e ás vezes as coisas pequenas que nos dizem, as atitudes que tomam connosco, o descaso, o estarmos a falar e verificarmos que aquilo que falamos não interessa nada/nós não interessamos nada a outra pessoa...

 

Mata um pouquinho cada dia. Começarmos a duvidar do nosso valor é uma consequência previsível. E a compulsão alimentar que esteve sempre lá, essa dependência que conseguimos controlar sendo "cheiinha" (optando por intercalar momentos de compulsão com outros de fome para assim manter o peso estável) começa a tomar conta de nós. A comida torna-se efectivamente a nossa droga.

 

E dos 58/60 kg (excesso de peso)  que tinha, passei a 90 kg (obesidade mórbida grau 2, imc 41). Considerando que tenho 1,47 aldrabados no BI (usei umas cunhas dentro dos sapatos... devo ter 1,46) não há 10 kg que resolvam o problema... nem 20, nem mesmo os 30 kg que tenciono perder. O meu peso "ideal", com um imc de 22 é 46 kg...

 

De 90 kg a 46 kg são 44 kg... é possível não perder sistematicamente a força de vontade? Não acredito... e para quem tem uma doença como a minha? IMPOSSÍVEL

 

Quem me Lê desde há mesmo muito tempo sabe que no Natal eu tinha 64.7 kg... mas em junho já tinha 73... foi há pouco mais de 4 meses que novamente comecei a perder peso...

 

A compulsão alimentar tem cura... mas implica custos exorbitantes... e é preciso encontrar um conjunto de médicos (psicólogos, endocrinologistas e nutricionistas) que reconheçam a compulsão alimentar como uma doença e aceitem trabalhar interdisciplinarmente.

 

E os médicos... acham que são Deus. Só eles sabem... só eles são detentores da verdade e nesse aspecto assemelham-se a gente normal... a gente que não tem culpa mas é ignorante.

 

A ignorância ultrapassa-se. Basta não ser-se estúpido. Aceitar ouvir o outro. Não é ouvir. É ESCUTAR.

 

Mas tem de vir da consciência de saber perceber a sua própria ignorância e aceitá-la. E aí MUDAR...

 

Este é capaz de ser o post mais sincero que fiz. Está cheio de recordações, de momentos que me marcaram e aí é mesmo marcas. Marcas que se fossem físicas eras de cortes de faca, era sangue a sair e eu a olhar...

 

Vou parar agora. podia escrever muito mais... podia mas é muita dor e receio não ter força amanhã para me controlar. Amanhã vou falar com a professora de ensino especial da Raquel... preciso de toda a força interior para mais uma batalha... a minha filha tem de aprender a ler, a escrever, a contar... ela precisa de uma mãe forte... e eu vou sê-lo. Por ela, por mim, pela família que é a minha vida. Estas 4 pessoas amam-me e eu não posso deitar tudo a perder... é necessário que eu também me ame. tenho de me cuidar.

 

Um abraço,

Sofia

 

 

 

publicado por 80nuncamais às 23:32 | link do post | comentar | ver comentários (18) | favorito
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