Sexta-feira, 01.04.11

Recebi a notícia como se fosse nada... estava a conduzir, a levar as crianças á ginástica e a minha mãe diz-me que o meu pai morrer há algumas semanas. Também me disse que ele deixou uma filha de outra mulher... tenho portanto uma irmã que não conheço, nem sei o seu nome.

 

Por vezes pergunto-me se a minha mãe terá algum disturbio de personalidade... como já escrevi aqui não me lembro de quando era pequena a minha mãe me beijar ou abraçar. É essencialmente uma pessoa não emotiva... lembro-me quando decidi ter um filho lhe ter dito estava a pensar engravidar e ela me responder "tu é que sabes"... assim como se nada fosse... demorei quase 2 anos a engravidar... acham que alguma vez falei isso com ela? os meses a passarem e nada, tratamentos, exames...

 

Cheguei a casa com as crianças, banhos e jantares e sempre num estado de dormencia... dei batatas fritas aos miúdos, iogurtes, fruta e cereais e ainda um pacotinho de gomas. Tinha sopa para lhes dar mas começaram-me a pedir doces, batatas fritas, salsichas e nem discuti com eles esse assunto! Dei-lhes o que me pediram e por incrível que pareça não comi nada daquilo, nem uma batata nem uma goma. NADA!

 

O meu pai era um alcoolico, pai e marido violento, não tinha qualquer noção de decência,  mas quando eu era pequena, até aos 5 ou 6 anos eu adorava-o. Ele levava-me sempre ás cavalitas, dáva-me a mão e corriamos juntos, muito depressa... era uma sensação excitante, de liberdade... eu adorava-o. A desilusão veio depois... quando comecei a perceber porque a minha mãe usava oculos escuros muito grandes e quando finalmente me começou também a bater quando chegava a casa completamente bebedo...

 

Lembro-me de fingir estar a dormir e ele perto da minha almofada e eu cheia de medo que ele resolvesse "acordar-me" para me bater... ele usava uma técnica que durava segundos mas deixava-me "out" instantaneamente - bofetada de mão aberta na minha face esquerda seguida por outra na face direita com as costas da mão... o cinto... e uma vez quando tinha uns 6 ou 7 anos pegou numa tábia e bateu-me com ela no rabo e nas pernas porque o acordei num sábado ou domingo de manhã.

 

Quando tinha 12 anos começou-me a chamar baleia, gorda, hipopótamo e monstro.

 

Acho que foi por essa altura que comecei a comer de forma descontrolada. Como não havia assim tanta comida em casa, eu comia carcaças com imensa manteiga, ou melhor com "planta" e ás vezes com um pacote de açucar lá dentro... houve vezes que fui apanhada pela minha mãe.. abria-me o pão e começava a gritar... depois aperfeiçoei o meu "bunging eating"... guardava as senhas da acção social dos lanches (venho de uma família pobre por isso tive sempre na lista das crianças apoiadas nos livros, alimentação e transporte... nem imaginam o quanto isso é humilhante...) guardava-as até sexta feira e nesse dia trocava-as todas por chocolates e pastilhas. levava tudo para casa e comia tudo de seguida á noite na cama enquanto lia um livro. Escolhia a sexta feira porque no sábado e no domingo não havia escola e eu tinha que passar o fim de semana inteiro com eles.

 

E sonhava com o dia que iria sair finalmente de casa...

 

Mas quando era pequena eu adorava-o.

 

 

 

publicado por 80nuncamais às 12:17 | link do post | comentar | favorito
NewMe / dany a 1 de Abril de 2011 às 16:50
tenho o coração muito apertado, revejo-me nas palavras da Lilith, é difícil imaginar como é que uma pessoa como tu tenha passado por tanto...sei que deve ser chocante e que ainda não tenha caído a tua ficha, mas permite-te o luto, por pior que ele tenha sido para ti e para a tua mãe. é natural o misto de sentimentos, afinal um pai, durante os primeiros anos da vida de uma rapariga, é um herói. pensa que mesmo que ele não tivesse morrido (eu considero a morte, como apenas 1 dos muitos passos na existência de alguém), ele já não te conseguiria tocar com um dedo ou afectar, porque tu floresceste, tornaste-te mãe e mulher, agarraste a tua vida sem a sua ajuda e, acima de tudo, serás em conjunto com o teu marido, a melhor mãe que as tuas crianças poderiam alguma vez ter. agarra essa certeza, a certeza que nem este "murro no estômago" te fará perder a vontade de viver e ser feliz ao lado de uma família saudável, repleta de amor, durante muitos anos.


um beijo especial para ti, minha linda * se precisares de falar, sabes o meu e-mail - não hesites.

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